Mulheres também são responsáveis pela perpetuação do machismo

Ontem (10/01/13) eu vi uma reportagem no site da UOL que me chamou a atenção: “Mulheres também são responsáveis pela perpetuação do machismo”. Achei este tema bastante interessante para iniciar as publicações de 2013.

Quando pensamos de maneira rápida, dizemos que os homens são machistas, mas se pararmos para refletir melhor, em grande parte de nossa sociedade, ainda são as mulheres que criam os filhos, tanto as meninas quanto os meninos. Portanto, elas também são responsáveis por perpetuarem o machismo.

A realidade é que vivemos em uma sociedade patriarcal, em que o homem é o líder. Hoje o machismo é menos evidente, está mais implícito no “politicamente correto”, ou seja, as falas de igualdade e os comportamentos nem sempre são iguais. Comprovo isso com os pensamentos que escuto de clientes mulheres no consultório: “mas ele tem suas necessidades sexuais a serem satisfeitas, afinal os homens tem mais desejo sexual do que a gente”; “será que eu posso transar em um primeiro encontro se tiver vontade? O que ele vai pensar de mim”; “porque os meninos podem ficar com várias meninas e ser o garanhão e que a gente se ficar é a vadia?”; “Pagar um motel? Isso é o homem quem tem que fazer”; “não tenho muita coragem de procurar meu marido quando estou com vontade, acho que ele é quem deve me procurar”; entre muitos outros exemplos.

Muitos dos pensamentos e sentimentos que temos são automáticos, e com isso não reparamos que ele traz escondido o machismo. A reportagem traz dados interessantes a este respeito, e com essas informações, trago reflexões que acredito serem importantes a serem feitas: sou uma pessoa machista? Tenho pensamento, sentimentos e comportamentos que compactuam para a perpetuação do mesmo? Eu concordo com o machismo? Esta última pergunta também é bastante importante, pois, muitas pessoas de fato concordam com ele, e seguem o que acreditam. O mais complicado são as pessoas que o recriminam, mas acabam sendo incoerentes e agindo de forma contraditória.

Um cuidado deve ser tomado: muitas mulheres, querendo mostrar que são contra o machismo, acabam indo ao outro oposto, masculinizando-se. Será que esta é a melhor solução? Acredito que a solução não seja nem 8 nem 80, mas sim a busca pelo caminho do meio, o equilíbrio. Será que a cumplicidade não seria uma palavra chave? É importante pararmos para pensar sobre este tema assim como outros que naturalizam comportamentos humanos, ou seja, os tornam naturais e não uma construção social, cultural e histórica. Portanto, fica a pergunta: as suas atitudes condizem com o seu discurso?

Reportagem:

  

Pequenas atitudes revelam a postura machista de uma mulher, como julgar alguém pelo que ela veste.

Censurar outra mulher por ela ter uma postura mais liberal em relação a seu corpo, educar meninos e meninas de forma diferente, depender de um homem para se sentir plenamente feliz… Mesmo sem se dar conta, muitas mulheres têm atitudes como essas e, com isso, colaboram para a perpetuação do machismo. 

Gustavo Venturi, professor do departamento de Sociologia da USP (Universidade de São Paulo), explica que fenômenos como o machismo e outros tipos de discriminação só existem na medida em que os oprimidos incorporam os valores dos opressores. “Você tem uma naturalização dos valores dominantes que faz com que muitas pessoas reproduzam, até de forma inconsciente, a ideologia da qual são vítimas”. 

De acordo com Tica Moreno, socióloga da Sempreviva Organização Feminista, o machismo é estrutural na sociedade. “Estamos falando de uma opressão que é histórica. E existe, sim, uma introjeção do machismo nas mulheres e isso é um dos mecanismos de sua manutenção”, diz.

 Educar para mudar

“Muitas mães educam seus filhos perpetuando o machismo. Educam homens e mulheres de formas completamente diferentes. O homem pode sair, pode variar de parceira, pode fazer sexo assim que conhece alguém. A mulher, não”, diz a psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. “É muito importante que as mães repensem a educação das crianças”, diz ela. 

 Tica aponta outra característica sobre a forma como as crianças são criadas: os homens não são educados para fazer o trabalho doméstico. Segundo ela, para o movimento feminista, é na divisão de tarefas domésticas que está a base de sustentação do machismo: “Essa dinâmica da divisão sexual do trabalho que sobrecarrega as mulheres em casa é a mais difícil de romper. Para nós, essa é a questão fundamental da opressão”. 

 Gustavo conta que quando se pergunta se homens devem dividir melhor os trabalhos domésticos, tanto elas quanto eles concordam que sim. Mas, na prática, nada muda. “A jornada das mulheres dedicadas a estas tarefas de cuidados com a casa, crianças, idosos e enfermos é de seis a sete vezes maior do que a dos homens”, afirma ele, que coordenou a pesquisa “Percepção de Ser Mulher, Machismo e Feminismo”, na Fundação Perseu Abramo. 

 O inferno são as outras

A pesquisa realizada em 2011 por Gustavo Venturi apresenta avanços em relação à edição anterior, de dez anos atrás. A avaliação geral de que a situação das mulheres melhorou, se comparada à de duas ou três décadas atrás, subiu de 65% para 74%.
Mas, apesar dos progressos, ainda há dados que chamam à reflexão: 23% das mulheres (contra 30% em 2001) disseram concordar que “nas decisões importantes, é justo que na casa o homem tenha a última palavra”; 24% (38% em 2001) consideram que “em um casal é importante que o homem tenha mais experiência sexual do que a mulher”; 15% (eram 24% em 2001) acreditam que “a mulher casada deve satisfazer sexualmente o marido mesmo quando não tenha vontade” e 4% (11% em 2001) acham que “se a mulher trair o homem é justo que ele bata nela”.

 “Estas questões são minoritárias, mas ainda persistem. Não é que elas digam ‘é justo que batam em mim’, mas elas imaginam a ‘vagabunda que vai sair com o meu marido merece apanhar’. É um julgamento moral da outra. A ideia de que isso seja legitimo é altamente perigosa para as próprias mulheres que acreditam nela”, afirma Gustavo. 

 Gentileza e autonomia

 Regina Navarro Lins reprova o cavalheirismo porque, para ela, esse comportamento carrega a ideia nociva de que as mulheres são incapazes. “Gentileza é uma coisa: homens têm que ser gentis com as mulheres e mulheres gentis com os homens. Se eu estou na frente, abro a porta para o meu amigo passar. A ideia do cavalheirismo embute uma noção de que a mulher é incompetente até para puxar uma cadeira, para abrir uma porta, pagar uma conta”.

A socióloga Tica Moreno diz que a tão problematizada divisão de contas pelo casal não é um problema em si. “O problema é quando o cara paga a conta e acha que por isso você tem de transar com ele”, afirma ela, acrescentando que há mulheres independentes financeiramente, com sucesso profissional, mas que não têm autonomia.
“Elas acreditam que têm de ter um homem ao lado para dar significado às suas vidas, que não podem tomar a iniciativa da conquista, não podem mostrar que gostam de sexo.”, conta a socióloga.

Há um modelo de família constituído na sociedade que coloca que a mulher tem de ter um marido e filhos, e muitas mulheres o perseguem. “Quando você constrói a sua identidade em função do interesse e da satisfação das necessidades dos outros, você se perde enquanto sujeito”, diz Tica. 

 Para Regina, há uma questão simples que ajuda a definir se uma mulher tem ou não autonomia: você aceita dividir a conta do motel? Ela afirma que para muitas mulheres isso ainda é tabu. “Parece que, para essa mulher, ir a um motel não proporcionará prazer aos dois”. A psicanalista acredita que a explicação para isso é reflexo de milênios de opressão.

“Quando a mulher começou a ser oprimida, há cinco mil anos, ela não tinha como reagir. Então, a única forma que ela encontrou para se defender foi usando o corpo. Controlando as necessidades sexuais masculinas, ela conseguia benefícios em troca, como roupas, joias e comida… É possível que venha daí a ideia de que, ao fazer sexo com ela, o homem tenha de pagar alguma coisa”, diz a psicanalista.

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